Por tradição, entende-se a pintura sobre madeira como uma obra de arte, partindo do princípio que a imagem representada é a totalidade do todo artístico. No caso específico da pintura correntemente denominada por “pintura sobre tábua”, a madeira encerra em si diversas particularidades, associadas à sua materialidade.
Figura 1- Pintura[1] sobre madeira atribuída a António Vaz, século XVI.(FH)
Figura 2 - Vista geral do verso.(FH)
O motivo da redacção deste texto, prende-se com o facto de muitas vezes, se negligenciar o valor intrínseco de um suporte de madeira, canalizando-o, quando está em causa a sua conservação, para soluções traçadas segundo directrizes provenientes das “práticas de marcenaria”. Se bem que tais práticas sejam indiscutivelmente úteis e que transmitem muitas e valiosas técnicas preservadas por séculos de história, devem contudo ser ponderadas e flexíveis quando se cruzam com a especificidade da conservação de suportes de pintura em madeira.
Antigas atitudes de “corte e costura”, hoje tremendamente contestadas nas intervenções sobre os suportes, devem de facto continuar afastadas, excepto se a integração física da obra for comprometida por um problema estrutural. Com isto, queremos explicar que deve existir a consciência da preservação material do suporte, tanto quanto possível, porque o mesmo nos transmite, por um lado, inumeráveis informações sobre o percurso da vida da peça, e por outro, um prognóstico presente e futuro do seu estado de conservação.
A interpretação de técnicas utilizadas para a execução das obras, quer por ensambladores ou panel-maker´s, permitem compreender momentos históricos, segundo as características evidentes de determinadas oficinas. A identificação precisa da madeira presente numa obra, através de métodos de exame e análise, é um dos pontos fundamentais para a determinação das suas alterações. A dendrocronologia tem mostrado ser um método de datação bastante válido, para se chegarem a conclusões mais definidas sobre a questão das atribuições aos pintores. Aliás, este método juntamente com a radiografia da peça,

Figura 3 – Radiografia de um pormenor numa pintura maneirista. (MG)
Figura 4 - Início do desenvolvimento de podridão cúbica, ocasionada por fungos xilófagos. (MG)
Figura 5 – Marca personalizada do panel-maker Michiel Vrient´s
Múltiplas ilações se podem extrair da imagem principal de uma pintura, como é o caso, entre muitos exemplos, do desenho subjacente obtido através da fotografia e reflectografia de infravermelho.
Figura 6 – Registo do desenho subjacente realizado
Mas aquilo que frequentemente se omite é a importância técnica e estrutural de um suporte lenhoso. A madeira numa obra de arte, por exemplo quinhentista, representa sensivelmente 99 % da materialidade desse objecto. Então, no entendimento do estado de conservação desse objecto,
Numa intervenção de Conservação e Restauro existe necessariamente e sempre a execução de um diagnóstico preciso, onde se identifica patologias e se definem estratégias de tratamento. Podemos falar de imunização biológica preventiva, desinfestações por gases inertes, da selecção adequada de adesivos a usar, de consolidantes orgânicos e inorgânicos, de reintegrações volumétricas, de estruturas mecânicas de travessas (parquetages), de partições ou fragmentos, etc.
Várias deduções se podem extrair do verso de uma pintura. A “frente cromática” é correntemente sujeita a intervenções de “cosmética”, o que dificulta a sua interpretação no domínio da história de arte. Por outro lado, o verso das pinturas que usualmente é menos intervencionado e menos acessível, conserva sempre mais evidências históricas originais. Sendo assim, segundo este preceito, uma alteração negligente do verso é sempre um “apagar” da História.
Actualmente, estudos técnicos têm sido feitos, pensando em equipas de trabalho multidisciplinares entre historiadores, laboratórios e conservadores-restauradores, tornando-se em Conservação e Restauro, a questão das estruturas e suportes de madeira em pintura, uma área de qualificação e especialização, que vai para além de procedimentos de marcenaria e do sensu commune.
Miguel Garcia (Panel Painting Conservator)

