Os malhetes sempre estiveram associados aos suportes de madeira como elementos de reforço estrutural da pintura retabular. Estes sistemas, também, denominados de duplas cauda de andorinha, eram executados, normalmente, em madeira de um só elemento, cortados de forma trapezoidal.
Originalmente, foram utilizados em Itália na tecnologia de construção dos suportes de pintura sobre madeira, pelos então destacados legnaiolos ou panel-makers. A percepção de usar tais elementos, já vinha das estruturas retabulares, dos elementos apainelados dentro dos nichos, bem como do mobiliário medieval.
Em Itália, nos suportes pintados em madeira de choupo (Populus sp.), numa primeira fase, os malhetes eram aplicados pela frente do painel, atravessando-o até ao verso, de fora a fora (ver fig.1). Numa segunda fase, eram escondidos pelo verso.
Fig. 1 - Evidências do malhete original em pintura italiana de quatrocentos. (FH)
Com o tempo, as técnicas construtivas modificaram-se e aperfeiçoaram-se. Começaram a ser mais frequentes, outros elementos de reforço de juntas, tais como, respigas cilíndricas de madeira, também denominadas de “tarugos”, e, em tábuas de maior espessura, a introdução de um sistema diferente com taleira flutuante. Uma peça de madeira solta, colocada com veio perpendicular ao das tábuas originais, introduzida numa caixa a metade, em cada uma dessas tábuas a unir. Em alguns casos, a taleira era travada de fora a fora com uma respiga (ver fig.2), noutros casos, a respiga entrava pelo verso e não atravessava a totalidade da espessura do painel. Isto é, não ficava visível da parte da frente da pintura.
Fig.2- Taleira quinhentista na pintura "Virgem e Apóstolos", Tomar. (FH)
Em parte, os malhetes tornaram-se – pensamos que por ocasionalidade –, elementos de recurso em restauros de estrutura dos painéis, com o objectivo de solucionar problemas da abertura das juntas e de fendas (ver fig.3).
Fig.3- Malhete não original. (MG)
Nos tempos de hoje, o diagnóstico do estado de conservação de um painel alude, muitas vezes, na anotação dos problemas referentes à existência destes malhetes de restauro, como se comportam na pintura, e que repercussões transmitem à superfície pintada.
Normalmente, os malhetes aplicados em restauros antigos, costumam perder a sua função. Quer seja, por stress entre as peças de madeira, suporte e malhete, ou quer seja, pelo destacamento da peça.
Vulgarmente, as colagens recorrem à cola animal, ou segundo o vocabulário de alguns marceneiros, à grude.
No primeiro caso, o stress é causado pela prisão da madeira, mais propriamente, no interior do furo concebido para encaixe. Uma prisão que não permite os movimentos de distensão e contracção da madeira em função das variações de humidade ambiental. O caso agrava-se porque ambas as peças, malhete e prancha pintada, têm o veio da madeira em direcções perpendiculares. Sabendo-se que o quociente elástico é sempre maior no sentido transversal ao veio da madeira, sempre que este movimento é travado, a madeira tem de reagir noutro sentido. Na prática, resume-se à libertação de stress por fractura no material lenhoso original, ocorrendo dessa forma fissurações na camada cromática.
No segundo caso, em relação ao adesivo, ocorre a perca das propriedades adesivas, assim como a perda de elasticidade do material proteico.
Para concluir, pensamos que é importante salientar, que as duplas caudas de andorinha que temos observado nas pinturas portuguesas são inteiramente fruto de ingerências de conservação e restauro.
Do que temos também observado, na pintura quinhentista portuguesa encontramos, maioritariamente, elementos originais concebidos com base em samblagens de junta viva com ou sem furo e respiga. Pontualmente, são observados sistemas de samblagem com taleiras travadas a furo e respiga. Como um desses exemplos, temos as grandes Tábuas quinhentistas da Charola do Convento de Cristo.
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Referências bibliográficas:
AA.VV. (2004). Tábuas da Charola. Lisboa, Instituto Português de Conservação e Restauro.
AA.VV. (2004). Dipinti su Tavola. La tecnica e la conservazione dei supporti. Florença, Edifir.